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Manuel Sérgio - Nascido da Poesia

  • Foto do escritor: Rui Paixão
    Rui Paixão
  • 3 de out. de 2022
  • 5 min de leitura

É na mercearia que Manuel Sérgio passa os seus dias. "Inundado" por produtos para venda, é nas palavras/poemas que este poeta vê o seu grande refúgio. Até porque para este grande homem, a vida é uma poesia.


Esta capacidade de saber escrever poesia surge desde muito novo, ou foi algo que surgiu tardiamente?


A poesia surgiu quando eu era muito novo. Nós não temos capacidade de escrever poesia porque queremos. Escrevemo-la porque ela acontece. Mas a verdade é que desde muito novo eu comecei a escrever poesia. Felizmente tenho uma apetência para isso, que entretanto se foi burilando ao longo dos tempos.

Naturalmente eu escrevo porque há uma apetência para escrever alguma coisa, inovando e variando mais os temas. Eu tenho um poema que diz, e não me lembro do seu todo, "A capacidade da escrita é nos colocarmos no papel aquilo que o nosso sentido dita." Mas por vezes não é assim. Escrevemos algo e a nossa mente está a pensar noutra coisa completamente diferente. É isso que de facto faz da poesia algo tão bonito.


Onde se inspira?


Não existe inspiração concreta da minha parte para a poesia. No máximo, a inspiração vem dos poetas. Nós não vemos as coisas como as outras pessoas. Porque se víssemos, ou éramos todos poetas, ou então não era ninguém. O poeta não pode ver antes da linha do horizonte. Tem de saber olhar para além do mesmo. Temos de inventar, recriar, transformar as coisas e as vezes não é fácil. O poeta inicia sem ter partido e regressa sem ter ido. Mas depois é com esse tal dom que vai conseguir modificar as mesmas.


Manuel Sérgio ©Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz

Os seus poemas foram declamados no Monsaraz Museu Aberto, pela voz de Joana Godinho.


É isso mesmo. Dois dos meus poemas foram lidos pela minha querida Joana Godinho. Fui eu que escrevi e infelizmente não consegui declamá-los, visto que pelo problema que possuo, não me é permitido estar muito tempo em pé.

Escrevi estes dois poemas a pedido do município, como homenagem ao cante, a Monsaraz e a todos os que escutaram os mesmos. Eu sou inclusive padrinho do Grupo Coral de Monsaraz. Isso é algo que me orgulha muito mesmo. Gosto muito de tudo o que se relaciona com o Alentejo.


Qual o sentimento/sensação ao saber que uma parte de si esteve neste espetáculo?


Não me envaidece e nem me torna nem mais e nem menos do que aquilo que eu sou. Eu continuo a ser merceeiro. Não me interessa os aplausos, as palmadinhas e afins... Aquilo que realmente me dá prazer é ver que as pessoas reconhecem aquilo que eu sou, o trabalho que isto dá. Eu lancei seis livros, um deles em parceria com outras pessoas, e se Deus quiser irá sair o próximo brevemente.

Saiu agora no dia 25 de abril um desses livros, na qual a temática deste dia está inscrita nas páginas deste humilde livro. Fez sentido escrevê-lo pois durante muitos anos estive presente em cerimónias da revolução dos cravos.

Gosto das pessoas digam as coisas que faço. Até o facto de uma música do grupo coral ter sido escrita por mim, deixa-me bastante feliz, sem sombra de dúvidas.

Aquilo que eu quero realmente é que as pessoas sejam felizes. Porque para mim, a poesia é uma paixão que eu vivo.


Manuel Sérgio na apresentação do seu mais recente livro ©Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz

E essa vontade de escrever poesia, traz sempre impregnada a sua vontade de que a pessoa leia os seus poemas e seja tocada de qualquer forma?


Não fazia sentido se assim não fosse. Eu gosto que as pessoas leiam e sintam a leitura. Há quem não se consiga deixar sentir, mas também há quem consiga.

Porque quando eu gosto daquilo que eu escrevo, eu tenho a certeza que aquilo vai chegar à pessoa.

Como muitos sabem, há rimas ricas e rimas pobres. E aqui é preciso que haja a riqueza da rima. O caminho da poesia faz-se para que os outros gostem. Porque se assim não fosse, ficava na gaveta.


E muitas ficaram na gaveta?


Com toda a certeza. São 75 anos a escrever. Eu comecei a escrever poemas na escola primária. Quando terminei os estudos, o medo de ir para a guerra levou a que muitas vezes os poemas tivessem de ficar de parte e fossem alguns, até como mencionei anteriormente, colocados na gaveta.


Sessão de autógrafos ©Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz

Já existe uma maior facilidade para escrever os seus poemas ou vai haver sempre uma certa exigência a elaborar os mesmos? Quem era ou é a sua inspiração para escrever os seus poemas?


Existe uma exigência minha a escrever poesia. A forma como eu vejo o mundo é completamente diferente da forma como outra pessoa o vê.

Era muito mais difícil antigamente, porque não havia o saber que há hoje. Agora consigo dar a volta aos poemas e surgem-me várias palavras na minha cabeça, que antigamente não aparecia.

Naquela altura a minha inspiração era João Villaret. Com raízes em São Pedro do Corval, este grande ator dizia poesia como ninguém. É nele que vou sempre ver e ter uma grande referência.


A caminhada da vida tem um início e tem um fim. Como é que o senhor Manuel Sérgio gostaria de ser relembrado daqui a muitos anos, quando já não estiver entre de nós?


Não espero ser recordado de maneira nenhuma, a não ser o merceeiro Manuel Sérgio. Para mim, honrarem a minha memória será dizerem que eu era uma pessoa boa, que é isso que eu pretendo ser. Nem quero ter nome de rua, nem nome de árvore.

A minha única vontade é ir para junto do Pai. Só isso me basta. Ser bom, tratar as pessoas bem, para que posteriormente possa ir para junto d'Ele.


Se pudesse dedicar um poema a todas as pessoas que vivem no Alentejo e estão a ler esta entrevista, qual seria?


"AS RUAS DESTA CIDADE" - Manuel Sérgio


As ruas desta cidade

têm portas e janelas,

quadradas, retangulares

em forma de saudade,

vistosas aguarelas

em estrofes seculares.


As ruas desta cidade

tem o outono nas veias,

sardinheiras multicores

rimas de profundidade,

o sol pelas ameias

de avarandados amores.


As ruas desta cidade

têm as rugas do tempo,

na patine dos vitrais.

Poemas de liberdade

ao sabor dos elementos,

os coruchéus dos frontais.


As ruas desta cidade

têm o fascino das auroras,

no roda-pé colorido.

Mãos de fraternidade,

onde a lua namora

o basalto do sentido.


As ruas desta cidade

são do povo, têm gente.

Pela seara da história

têm a longevidade,

na voz eloquente

pergaminho de glória.


Manuel Sérgio e a sua neta Sara Ramalho ©Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz

Se tivesse de definir o Alentejo numa ou em mais palavras, qual/quais seria(m)?


O Alentejo para mim é um encanto, uma devoção, uma paixão. Eu digo-lhe uma série de palavras para definir aquilo que é o verdadeiro Alentejo. O verde dos campos a contrastar com o seco do mesmo. É isso que me faz ter bastante paixão em viver aqui e ser feliz na zona onde moro: Reguengos de Monsaraz.

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