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Marta Prates - Lutar sem medo

  • Foto do escritor: Rui Paixão
    Rui Paixão
  • 6 de nov. de 2022
  • 9 min de leitura

Atualizado: 19 de dez. de 2022

Aos 49 anos de idade, Marta Prates conta com um longo percurso profissional e pessoal. O voluntariado, associações e outros projetos têm feito parte da vida desta mulher que é atualmente, a Presidente da Câmara de Reguengos de Monsaraz.


Seguimos até ao ano de 1973, mais precisamente a 17 de janeiro. Neste dia nascia Marta Prates. Como é que foi a sua infância?


É verdade, nasci no dia 17 de janeiro de 1973, o que significa que já no próximo ano farei 50 anos.(risos)

Quanto à minha infância, esta foi muito feliz. Tenho a particularidade de ser filha de uma mãe solteira, que de alguma forma acabou por modelar a minha vida. Não tenho qualquer problema em dizê-lo, até porque se há pessoa a quem devo muito, é mesmo a minha mãe. Vivi também muito amparada pelos meus tios, avós e até mesmo pelos vizinhos. Eu sou natural de Évora e foi lá que passei grande parte da minha infância. Esta que foi marcada pela ausência do meu pai, mas à qual sinto que, a falta dele, acabou por me transformar naquilo que sou hoje.

Se nos reportarmos à sua adolescência, como a carateriza?


Quando entrei para o quinto ano a minha mãe, por tomar conta de mim sozinha e ser bastante protetora, decidiu que eu deveria ir para uma escola privada em Évora, conhecida como Colégio Nuno Álvares. Fiquei lá até ao nono ano letivo, onde passei anos muito bons. Acredito também que o facto de estarmos num estabelecimento com inspiração religiosa, ajudava a que tivéssemos entre nós alunos, conversas sobre valores e como deveríamos encarar os desafios da vida.

Posteriormente transitei para a atual Escola Secundária André de Gouveia, onde estive desde o meu décimo ano até ao décimo segundo, onde também considero que tive um percurso bastante tranquilo.




Quando terminou o secundário seguiu para o ensino superior?


Quando terminei o meu secundário, já tinha vontade de ser psicóloga, mas não tinha condições económicas para estudar. A minha mãe trabalhava dia e noite para conseguir arranjar dinheiro para nós as duas, sendo que nunca nos faltou nada.

Então foi nesse mesmo ano que decidi que iria trabalhar, para posteriormente arranjar dinheiro e ingressar no curso que tanto queria, psicologia ou direito.

Trabalhei numa empresa de animação turística, perto da Praça do Giraldo, onde estive muitos anos e onde consegui arranjar dinheiro para o sonho que tinha, continuar os meus estudos no ensino superior.

Foi então que entrei para o ISPA – Instituto Superior de Psicologia Aplicada, mas tinha aulas numa delegação em Beja. Portanto, fazia cerca de 1000 quilómetros por semana, visto que vinha todos os dias a casa (Évora), pois estava a trabalhar e o curso era pós-laboral.

Lembro-me de ir para o trabalho às nove e meia da manhã e sair às cinco e meia da tarde. Seguir depois viagem para Beja onde tinha aulas até às onze e meia, chegando depois a Évora por volta da meia-noite e meia, repetindo o mesmo horário no dia seguinte. Foram tempos bastante difíceis, mas consegui organizar-me de forma a fazer o curso. Quando digo que foram bastante difíceis, digo-o no sentido em que depois acabei por casar e ter as minhas filhas e tornou-se mesmo muito difícil conseguir gerir tudo isto. Mas fiz.

Mas sente que o facto de não ter terminado os estudos, a prejudicou de alguma forma?


Claro que não. É obvio que quando terminei o meu 12º ano, gostava de ter ido com os meus colegas para a universidade. A vontade de ir trabalhar com 18 anos era nula mesmo. Mas o que é facto é que encaixei esta ideia com muita facilidade na minha cabeça e acabei por ganhar até alguma maturidade, enquanto trabalhei. Sinto mesmo que a pausa que fiz desde os meus 18 até aos 22 anos, foram importantes para eu perceber que era mesmo aquilo que eu queria e que não havia tempo para andar a brincar na universidade.


Anos mais tarde participou na “Operação Embondeiro por Moçambique”, integrando a 7º equipa de voluntários da Cruz Vermelha Portuguesa, no apoio às vitimas do Ciclone Idai. A vontade em participar já era grande?

Eu a primeira vez que fiz voluntariado, tinha 17 anos. Foi através da Igreja da Nossa Senhora da Saúde em Évora, e com a ajuda do saudoso padre Barros arranjava voluntários para irmos para a Santa Casa da Misericórdia de Albufeira, onde estávamos junto de crianças que não tinham muitas possibilidades. Havia lá desde crianças cegas, surdas, abusadas sexualmente, abandonas, etc.

Mas pronto, após estes anos de voluntariado, sempre tive dentro de mim algo que me fazia voltar a fazer a diferença na vida dos outros. Entretanto com o nascimento das minhas filhas e o facto de já estar casada, fez com que o processo de voltar a repetir este tipo de iniciativas fosse adiado.

Até que um dia estava a trabalhar em casa e percebi que havia um grande desastre a ocorrer em Moçambique. Um ciclone tinha invadido aquela região e a Cruz Vermelha estava a organizar-se com o alto patrocínio do Senhor Presidente da República, na tentativa de enviar uma equipa de voluntários (médicos, psicólogos e outro tipo de membros) para ajudar.

Não hesitei e enviei email para a Cruz Vermelha, com o meu currículo e a demonstrar uma grande vontade de participar nesta missão. Passado um mês recebo uma resposta ao meu email, onde me foi dito que a minha candidatura tinha sido recebida e que contavam com a minha presença nesta missão. No meio de tantas pessoas, foi de facto muito gratificante terem me escolhido.

O que é facto é que tive bastante medo. Medo de ir e já não voltar, de apanhar uma doença altamente contagiosa, de ser raptada, etc. Era tudo muito inseguro. Na minha cabeça, só me surgia o facto de: “E se eu não volto?”. Como é que fica a minha família? Era um risco enorme eu ir ajudar pessoas que não tinham nada e depois, serem as minhas filhas a ficarem sem a presença física da mãe. Fartei-me de chorar, mas o meu esposo disse-me para ir e foi isso mesmo que fiz.

Estive lá um mês, passei por situações muito complicadas, entre as quais ver crianças a morrer enforcadas nos partos, ter de dar a triste notícia a uns pais, que o seu filho tinha falecido. Foi muito difícil, mas deu-me algo muito bom mesmo: a certeza de que é algo que nos marca de alguma forma.


É então uma experiência a repetir?


Claro. Não digo enquanto experiência, mas enquanto vida profissional. Nesta missão aprendi muitas coisas e trouxe de lá outras tantas. E isso é de facto muito bom. Nem tudo foi bom, mas são este tipo de coisas que nos tornam pessoas diferentes.

Posteriormente surgiu na sua vida, enquanto sócia-fundadora da Associação de Pais e Encarregados de Educação do Agrupamento de Escolas de Reguengos de Monsaraz, sendo que também foi Comissária da CPCJ. A vontade de dar vida a esta associação surgiu como?


Isto tudo começou pelo facto de eu fazer parte do Conselho Pedagógico e posteriormente começar a participar ativamente na CPCJ. Aí percebo que estou de alguma forma a começar a estar presente na comunidade educativa.

É isso que me faz querer criar, juntamente com uma vasta equipa, a Associação de País e Encarregados de Educação.

Na altura haviam muitos pais que demonstraram grande interesse em fazer parta associação. Por isso organizámo-nos de uma forma eficiente e sinto que estive a trabalhar com uma equipa muito boa, sendo que atualmente a equipa continua a ser bem liderada pela Dra. Marisa Mancha.

Infelizmente tive de sair pois senti que, pelo facto das minhas filhas já não se encontrarem a estudar, não faria sentido eu continuar a encabeçar esta associação.

Sentiu que a sua missão enquanto lá esteve foi cumprida?


Em grande parte sim. Não fizemos tudo o que queríamos, mas conseguimos fazer a ponte entre os país e o agrupamento. Havia em nós a necessidade de dar voz aos pais. E chegámos mesmo a fazê-lo. Levámos grandes problemas até à direção.

Conseguimos resolver questões como a climatização, o transito à porta das escolas. Fizemos também workshops para os pais, ações de sensibilização, entre outras coisas.

Por isso, senti mesmo que foi um trabalho bem feito por todos os membros da equipa. Uma coisa também sei e sinto: esta associação tem sido e estado sempre muitíssimo bem entregue.



O ano de 2020 é sem dúvida um dos que mais marca esta década, devido à pandemia da covid-19 que afetou não só os reguenguenses, mas também o mundo no geral. Foi também nesse ano que surgiu o "Em Missão na Nossa Terra". Como foi dar a cara por este projeto e como surgiu?

Tudo começa com a minha vinda de Moçambique em agosto de 2019. Em 2020, deparamo-nos com uma situação de catástrofe à porta de todos. Eu já tinha alguma prática em gestão de catástrofes.


Lembro-me então nessa altura de me colocar à disposição do executivo para tudo aquilo que precisassem. Era sábado e eu coloquei no Facebook que estaria disponível para ajudar qualquer pessoa, enquanto psicóloga e não só.


O que é certo é que recebi imensos telefonemas. As pessoas estavam bastante aflitas pois não sabiam com o que estavam a lidar.


Foi aí que eu pensei que seria necessário criar um grupo de pessoas para ajudar todos aqueles que me tinham telefonado, mas também os que de certa forma se estavam a ver privados de imensas coisas. Partilhei nas redes sociais que queria formar uma equipa para trabalhar para as gentes do nosso concelho e não só.


O que é certo, é que ao fim de uma hora, eu tinha 200 pessoas disponíveis para me ajudar. Organizei então na minha cabeça, a estrutura da missão, quem poderia integrar diretamente e quem poderia ajudar de uma outra forma. O que é certo é que ao fim de uma semana, a equipa estava montada.


Reguengos é uma cidade bastante solidária. As pessoas ofereciam-nos muitas coisas mesmo. Nós chegávamos a ter as nossas casas cheias de coisas para posteriormente distribuirmos equitativamente pelas pessoas.


Houve bastante medo, mas o facto de irmos ajudar outras pessoas, deixava em nós um sentimento mesmo bom.


Sem nós fazermos nada para que isso ocorresse, chegámos à rádio, à televisão (neste caso, à SIC.



Parte da equipa do projeto "Em Missão na Nossa Terra" ©Facebook "Em Missão na Nossa Terra"

Não é portanto, uma missão terminada?


Claro que não. É uma missão que se continuar, eu vou continuar a estar lado a lado com os meus "soldados". Mesmo sendo presidente da câmara. Porque antes de ser presidente, chamo-me Marta Prates e sou humanista.


Sei que integrou o campo da política, tendo sido vereadora da oposição na Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz. Como foi ser vereadora nesta câmara municipal?


Eu recebi um convite para pertencer ao Partido Social Democrata. Não era militante, mas sempre fui social democrata. Estava em segundo lugar para a lista da câmara municipal e não fui eleita. Entretanto o partido social democrata elegeu uma vereadora que era a cabeça de lista. Por razões pessoais, esta pessoa renunciou ao cargo e a 03 de janeiro de 2018, tomo posse no executivo municipal, como única vereadora da oposição.


Foi muito dificil estar a ocupar este cargo. Foram muitos anos com a mesma cor política. Eu estava ali sozinha apenas com pessoas de outro partido.


Sentíamos que havia muito trabalho para fazer neste município. Fomos apresentando as nossas propostas, nunca sendo atendidas pelo executivo daquela altura.


Mas senti que com o António Fialho tudo se tornou mais fácil para mim. O António é sem dúvida o meu mentor. Inquestionavelmente, conseguiu-me sempre ajudar e orientar da melhor maneira. E isso é sem dúvida incrível.

Marta Prates e António Fialho ©Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz

Em setembro de 2021, é oficializada como presidente da câmara deste município. Qual é a sensação de ser a primeira mulher a liderar na Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz?


Muita gente me disse que eu não iria ser capaz de chegar ao lugar onde estou hoje. Todos me diziam que Reguengos de Monsaraz era uma cidade machista, que devia esperar mais um pouco até que a próxima geração percebesse que eu poderia ocupar esse cargo e assim nas próximas eleições já poderiam votar.


Mas o facto de eu ter conseguido subir até ao poder, não me enaltece de forma nenhuma. Porque eu na verdade estou aqui pelo acreditar dos reguenguenses.


E isso acabou por a magoar?


Não. Nada mesmo. Nunca senti isso. Na altura da campanha, nós íamos para as ruas e eu deparava-me sempre com receções extraordinárias.


Tantos os mais jovens como os mais velhos sempre olharam e conversaram comigo sem me olhar de lado. Por isso, digo com todas as certezas que isso não me magoou de forma alguma.

Marta Prates na apresentação do livro do poeta Manuel Sérgio ©Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz

Olhando para o seu percurso pessoal e profissional e relembrando também todas as perguntas e respostas que já foram feitas/ respondidas aqui, o que é que ainda lhe falta fazer tanto pessoal como profissionalmente, enquanto mulher?


Do ponto de vista pessoal, falta me conhecer muitos países. Já visitei alguns locais de várias zonas, já me deparei com realidades completamente diferentes. Conheço perto de 20 ou 21 países e sinto que ainda tenho de ir a muitos mais.


Falta-me ver as minhas filhas a trabalhar. Cada uma na sua área, mas é sem dúvida algo que espero e aguardo muito ansiosamente.


Já a nível profissional, gosto muito de escrever e por isso quero mesmo continuar a escrever, tentando claro lançar o romance que estou a redigir.


Para além disso, gostava de terminar a minha carreira profissional numa grande instituição humanitária. Penso na Cruz Vermelha, na ONU. Não sei se é possível, mas trabalhei para isso.


Falta-me muito para fazer, mas agora o grande objetivo é levar este município para a frente!


Se tivesse de definir o Alentejo numa palavra, qual seria?


Serenidade e casa. O Alentejo é a minha casa. Detesto mar, não gosto de praia, de mar. Sou de sequeiro (risos).


Gosto mais do frio, do vinho tinto à lareira, da gastronomia, do sotaque, dos alentejanos.


Por isso digo que é casa, porque é o meu chão, é o lugar onde me sinto bem. É também serenidade porque é um lugar onde podemos perder alguns momentos da nossa vida para visitar e descontrair.



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