Maria Conceição Peres - O amor pelo ensino
- Rui Paixão
- 15 de ago. de 2022
- 8 min de leitura
O amor pelo ensino, levou a que Maria Conceição Peres trabalhasse em prol do mesmo desde muito nova. A persistência, o empenho e a vontade em dar tudo, permitiu que chegasse ao lugar hoje ocupado, no Agrupamento de Escolas André de Gouveia - Évora, como diretora.

Esta vontade de querer ser professora surge um pouco antes da universidade, ou desde pequenina que sonha em tal?
As minhas brincadeiras de infância era colocar as minhas bonecas e ensinar-lhes algo que na altura, era para mim essencial. Por isso desde pequena que sinto que tenho essa apetência.
Daí até ficar maravilhada com a profissão, já é outra questão. Mas sinto que foi algo que sempre esteve inerente a mim, ainda que quando chego ao nono ano e tenho de decidir aquilo que queria: Ciências e Tecnologias, Línguas e Humanidades ou Economia, eu escolho a segunda opção: Línguas e Humanidades.
Não fui para economia pois este curso apenas era lecionado na Escola Gabriel Pereira e eu morava perto do António Sérgio, logo não me dava jeito ir para esta escola.
Já entre ciências e humanidades, ou melhor, entre ser médica (cirurgiã) e professora, optei erradamente e possivelmente por ser professora, na sequência dos meus amigos terem seguido esta área.
Posteriormente, o contacto com as crianças nesta perspectiva foi uma mais valia, que me levou a ocupar o lugar que hoje ocupo e ter o percurso que tive.
Porquê regressar de Lisboa para o Alentejo, sendo que na capital é que estão as grandes oportunidades?
Está relacionado com a pessoa que eu sou hoje, não era naquela altura. Eu sou filha única e senti que de alguma forma haveria muito mais esforço económico eu ficar em Lisboa. Isso porque ia implicar uma maior independência que eu não tinha, apesar de já estar com os meus vinte e poucos anos. Havia uma clara ascendência parental vincada, que me levou a pensar regressar para junto dos meus pais. Também o facto de ficar efetiva na escola Cunha Rivara em Arraiolos, ajudou a que o meu regresso ao Alentejo fosse evidente.
Posteriormente, conheci o meu marido e fui ficando por aqui, ainda que me dissessem que eu me iria arrepender. A verdade é que todos os dias me arrependo de ter deixado Lisboa. Mas pronto, de qualquer forma Lisboa é já ali e eu depressa vou a esta cidade.
E pondera voltar a esta cidade?
Eu tenho sempre um pé em Lisboa. É interessante que o meu balcão, onde tenho a minha conta bancária, é o Rato. E eu sempre disse que não iria deixar de ter a minha conta ali, isto porque o meu regressar a Lisboa, não está fora de hipótese, de todo.

"Sinto que estou em paz comigo mesma."
Frequentou várias oficinas, seminários, workshops, cursos, grande parte ligados à proteção de crianças e jovens. O que é que estes encontros lhe deram enquanto experiência pessoal e profissional?
Todas essas formações, quer na área da infância e da juventude, assim como em termos de gestão, de conflitos, de mediação familiar, tudo isso me permitiu crescer, amadurecer e tornar-me numa pessoa melhor. Sem sombra de duvidas.
Ou seja, é muito fácil nós recalcarmos as nossas frustrações e justificarmos os nossos fracassos com os outros. "Eu não consegui isto, porque o A não me permitiu qualquer coisa."
E todas essas frequências fizeram com que fosse possível eu ter um crescimento emocional, intelectual e de saber para onde quero ir e não recalcar. Ou seja, se eu tenho qualquer coisa que me incomoda, a culpa não é do outro, é minha. Então o que é que eu posso fazer para melhorar? E toda essa frequência me permitiu ser a mulher que sou hoje.
Portanto, não sou perfeita, longe disso, mas de qualquer forma sou humana, não faço ao outro aquilo que não gostaria que me fizessem a mim, mas também não deixo uma resposta por dar. Sinto que estou em paz comigo mesma.
O passar pela área das crianças e dos jovens, levou a que eu não ficasse fechada na minha sala de aula. E o ficar fechada na sala de aula pode ser potencializadora de não termos uma abrangência daquilo que envolve os alunos e que às vezes explica um pouco o comportamento deles. Eu tornei-me, para além de melhor pessoa, melhor professora.
Tenho muita pena dos meus alunos dos primeiros tempos em que lecionei. Isto porque quando regressei após docência em Lisboa, eu encontrei aqui os meus professores. Portanto isso impediu-me um pouco de desabrochar, isto porque eles eram meus colegas, mas foram meus professores. Havia sempre ali um seguir daquilo que eles me diziam para evitar que fosse visto de lado e comentado.
Depois foi a partir de 2007 que eu decidi que iria fazer o melhor para mim. Eu sempre gostei que dissessem que era competente. Não me importo que digam que sou antipática, mau feitio. Mas odiaria que me dissessem que era incompetente. Portanto, tento mais ou menos fazer aquilo que me permite ser competente.
O seu percurso passa pelo mestrado, por um doutoramento quase terminado e uma pós-graduação, até chegar onde chegou. Como surgiu esta oportunidade de ser diretora do Agrupamento de Escolas André de Gouveia?
Depois de eu frequentar o mestrado em Administração Escolar, ser diretora de uma escola ficou nos meus planos . Obviamente que ser diretora da minha escola onde eu estava efetiva, pareceu me natural. Depois como estive afastada do ensino durante nove anos, ao regressar à educação, verifiquei que era um desafio que gostaria de abraçar. Já no ano passado surgiu a oportunidade de concorrer a um outro agrupamento da cidade.
Primeiro estive, e porque sou uma pessoa de poucos fãs, para não me candidatar. Isto porque as pessoas depois poderiam não me querer, não me eleger, estaria a fazer o projeto e se calhar não daria em nada. Mas pronto, em toda a minha vida enquanto professora sinto que sou muito crítica. Facilmente elogio, mas sou muito exigente. É uma das características que eu tenho.
"Só não quero é que digam "Ela criticava e acabou por fazer o mesmo.""
E isso prejudica-a?
Claramente. No país em que estamos, claro que sim. Tenho essa convicção. Mas lá está, eu prefiro dormir tranquilamente a fazer aquilo que é preciso fazer. Se fizer só por um ano, faço. Se fizer por dois, também faço. Só não quero é que digam "Ela criticava e acabou por fazer o mesmo."

Mesmo prejudicando-a, decidiu arriscar?
Claro. Como sou critica, considerei que devia arriscar ir, apesar de uma outra professora também se ter candidatado. Primeiro ainda tentei perceber quanto é que eu iria receber a mais, ao que percebi que não seria nada irrisório. Mas mais tarde alguém teve uma conversa comigo à qual comentou que não era pela quantia que iria receber, que me iria candidatar. E isso deixou me a pensar.
Foi aí que me senti na obrigação moral de me candidatar. Nem que fosse para que daqui a uns anos me dissessem: "Criticaste, mas na altura não avançaste."
E para eu ficar de bem com a minha consciência, avancei. Durante o processo houve um crescendo no querer. Quando comecei a mexer nos papeis, comecei a pensar que era a pessoa certa neste momento, para aquele agrupamento. Até posso não ser daqui a quatro anos. E se não o for, eu própria saio. Estarei aqui enquanto considerar que sou uma mais valia para o mesmo. Quando perceber que não tenho ideias, que estagnei, eu própria sairei.
Então a minha candidatura avançou com a certeza de que posso, juntamente com a minha equipa, fazer a diferença no agrupamento.
Este agrupamento, devido ao facto de estarmos no mesmo edifício desde 1978 e sem obras, não é tão atrativo quanto o Agrupamento Gabriel Pereira, ou até mesmo da Escola Secundária Severim de Faria, que foram intervencionados.
Portanto, se o nosso edifício não for atrativo, temos de tornar o agrupamento apelativo, mais que não seja pelas práticas pedagógicas. Por isso, sejamos inovadores, que façamos projetos que consigamos dar às crianças e jovens, qualquer coisa que os outros não dão. E é esse o desafio. Se vamos conseguir? Não sei.
Eu tenho uma equipa a pensar como eu e isso é muito bom.
"...sempre com os alunos na linha da frente."
Segundo uma publicação feita pelo Agrupamento de Escolas André de Gouveia nas redes sociais, a diretora referiu que ambiciona que "o agrupamento contribua para que Évora consiga ganhar a candidatura à Capital Europeia da Cultura em 2027". O que há para fazer no agrupamento para que tal ocorra?
Se é candidata à capital europeia da cultura, então podemos logo ligar às artes. Ora nós temos o plano nacional das artes, assim como o plano nacional do cinema. Portanto, que melhor agrupamento pode contribuir para essa candidatura, senão o nosso?
Temos os espetáculos e outras coisas que podemos fazer. Os nossos alunos podem ser uma mais valia, não só para divulgar, mas para contribuir para a dinamização de todas as atividades na cidade.
Por isso, penso que faz todo o sentido alinharmos nesse objetivo que é não só contribuir para que Évora ganhe a candidatura, mas também para a concretização do evento, sempre com os alunos na linha da frente.

O seu percurso profissional já é extenso. Agora pergunto-lhe: O que diria hoje à diretora Maria da Conceição Peres de há 20/30 anos?
Diria que da menina tímida até onde chegou hoje, conseguiu dar nas vistas. Ou seja, digamos que lhe dava os parabéns, por ter tido a coragem de dar os passos que deu. Por ter uma força e uma luz interior incrível.
Lembro-me de ser nova, morar no Rossio de São Brás e passar muito tempo na ermida a brincar. Nessa altura, recordo-me de uma irmã (freira) ter chegado perto de mim e me ter dito: "Sai de ti uma luz brilhante incrível." Na altura fiquei um pouco duvidosa e sem perceber a que se referia concretamente. Mas há pouco tempo disseram-me isso novamente. E foi aí que eu pensei: se eu conseguir iluminar os que estão ao meu lado, eu fico muito feliz.
Por isso, o que é que eu diria à Maria da Conceição Peres de há 30 anos atrás? Diria que valeu a pena!
"Se derem oportunidade ao agrupamento de mostrar o que vale, não se vão arrepender."
O que tem este agrupamento para oferecer? E o que tem, após esta conversa, a diretora para dizer aos nossos leitores?
Este agrupamento tem uma potencialidade incrível. Tem um espaço exterior maravilhoso e tem um edifício humano empático, possuidor de uma vontade de fazer a diferença na vida das crianças, quer dos jovens, assim como das famílias que por ele passem.
Portanto, é o dar oportunidade. Se derem oportunidade ao agrupamento de mostrar o que vale, não se vão arrepender. Isto porque somos essencialmente humanos. É sempre esta mensagem que transmito.
É esta humanidade, o termos o cuidado do outro, porque somos todos humanos. Se conversarmos, mostrarmos os nossos pontos de vista e compreendermos os pontos de vista de cada um, não há que ter conflitos, boatos, "areia" que dificulta posteriormente a engrenagem.
Assim sendo, venham visitar-nos, ver como é. Se houver algum problema, com toda a certeza que terá solução.
Se tivesse de definir o Alentejo numa palavra, qual seria?
Tranquilidade. Sem sombra de dúvidas. O Alentejo é a tranquilidade que nos permite fazer aquilo que nós queiramos. Estamos de tal forma localizados no país, que permite ser o centro de tudo, desde que nós assim o desejemos. Temos espaço, sol, água, temos o verde, o azul. Todas as cores que significam vida.
Para além desta tranquilidade, a oportunidade de realizarmos os nossos sonhos. Isto porque se conseguirmos apresentar as potencialidades desta região, as pessoas de fora facilmente virão para cá.
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